A casa de pau-a-pique
A saudade vem de longe, chegou embarcada neste clima ameno
com cheirinho de chuva que vem não sei de onde para inspirar-me a fazer esta
crônica.
Uma casinha de pau a pique foi levantada às pressas para
abrigar nossa mudança nos fundos da casa do meu avô, entre as muitas subidas e
descidas da condição financeira do meu pai. Seria por alguns dias, mas durou um
ano do qual eu não tenho do que reclamar.
O carinho dos meus avós e tios, somando-se à experiência de
um contato mais íntimo com a natureza, foi grande ensinamento para que eu viva
bem uma vida longeva.
Na casinha de pau a pique, as manhãs anunciavam se a
chuva da noite daria uma trégua para
sairmos da oca. Meu avô se aproximava, e bem próximo da minha cama anunciava:
—Netinha, choveu! Vamos colher abobrinhas.
Lá ia eu com caneca na mão, porque antes passávamos pelo curral
onde meu tio Antônio ordenhava as vacas.
Ali direto da teta da vaca, o leite jorrava sobre o café quentinho
adoçado com açúcar cristal feito ali mesmo no sítio.
Lembro-me nitidamente
das latas de vinte litros cheias de açúcar cristal, não era clarinho como o de
hoje, e a xicrinha esmaltada emborcada sobre o prato no jirau, era a medida. A
despensa era farta, outras latas iguais guardavam os doces caseiros que vovó
fazia. Mas não se admitia desperdício. Não era permitido largar sobras no prato
e muitas vezes a gulodice nos colocava em péssimas situações.
Ah, que saudade me dá...
A casa de pau-a-pique tinha terreiro batido, que tanto
servia para secar o feijão como para o bailinho nos fins de semana ao som da
vitrola de corda do meu pai.
Nos alqueires arrendados da Fazenda Estrela, que ficava em
frente ao sítio, meu avô cultivava arroz. Os alqueires arrendados eram
demarcados por um faixa de extensa mata virgem cortada por uma picada, faixa
roçada no meio da mata para dar entrada na lavoura. Por ela nos embrenhávamos,
os passos longos do meu avô eram seguidos de perto pelos meus pés miúdos. A
lâmina do facão agasalhada na bainha presa à guaiaca estava pronta para
garantir a passagem pela mata nos livrando dos arranha-gatos.
Não falávamos em
medo, tínhamos certeza de que Deus estava conosco. Afinal, foi a que vovó disse: "Vão com Deus!" Como eu me sentia segura
ao lado daquele homem com seus traços de bugre!
Nada me amedrontava, eu estava segura com meu avô. Sabia que
ele me protegeria das investidas de algum animal.
Animais que só atacavam quando estavam com fome, e de fome
ali ninguém sofria.
Não sou uma estudiosa
de animais, mas pelo que aprendi na vida o macaco é o único animal que rouba, talvez
por sua semelhança com o homem. Os outros saciam a fome, fora isso só atacam ao
sentirem-se ameaçados.
Atravessávamos a mata tranquilamente, as abobrinhas
fresquinhas aguardavam serem colhidas, deitadas aos pés do arrozal. As menores
brincavam comigo de esconde- esconde, eu só podia achá-las, jamais apanhá-las,
meu avô dizia que se eu o fizesse elas chorariam e de onde ele estivesse
ouviria.
O respeito foi à base
da minha educação, respeitar a família, os animais, as plantas e os limites de
segurança. Aprendi muito cedo que a natureza é nossa aliada desde que seja
respeitada, que para a vida em sociedade existem normas que devem ser
respeitadas.
O incêndio na Boate Kiss que vitimou tantos jovens se deu
pelo total desrespeito as normas de segurança.
Sempre que busco respostas para minhas dúvidas, as encontro
nos ensinamentos dos meus avós (12/03/2013).
Emília Goulart dos Santos, bisavó, dona de casa. Pertence ao Grupo Experimental desde a sua fundação. Ganhou vários concursos de contos. Escreveu vários livros e publicou outros, inclusive romances. Atualmente é também acadêmica da Academia Araçatubense de Letras. E-mail: emiliagoulartsantos@gmail.com
Bela recordação gostei muito Emilia
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