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Emília Goujlart - AAL - A grande mágica



A grande mágica

Uuuuuuuuh... foi a última manifestação, antes do silêncio provocado pela escuridão.

Um estalo seco derrubou de uma vez a energia. Não apenas a elétrica, também a humana. Ninguém viu o raio, o som do trovão ainda rugia no espaço. 

Sob a lona do circo tudo desapareceu, a escuridão faz essa grande mágica. Não havia mais palhaços, animais, domadores nem trapezistas. Todos foram transportados para uma noite negra. 

O silêncio tomou conta da arena,  cadeiras, arquibancadas e camarins. Apenas das jaulas fugia os rumores de vida. Tudo estava suspenso, como se uma ordem tivesse gritado através daquele estalo: Silêncio.

Uma criança ou outra tão logo ameaçasse chorar era impedida pelos pais que usavam todos os meios possíveis para mantê-las caladas.

O pânico era geral, ninguém atrevia a se mover, os olhares estavam fixos no picadeiro, embora nada se pudesse ver. A mais leve pisada do tigre era assustador. A pouca claridade provocada por algum distante raio, conseguia aumentar o temor, indicando que a fera permanecia solta na arena.

Pisadas vigorosas se juntavam ao ronco e fazia crer que o bicho estava ficando impaciente. Se algum som ou movimento assustasse aquela fera, ninguém gostaria de saber o que aconteceria.

Uma senhora sussurrou ao ouvido do marido:
—Irresponsável este domador, já devia ter retirado este animal do picadeiro.

O marido trêmulo, pediu que ela se calasse.
Um homem alterado pela bebida, dava trabalho aos familiares  ameaçando entrar no picadeiro.

 A criança assustada pedia:

—Fica quieto pai.

O espetáculo estava interessante, como última atração da noite o domador colocaria a cabeça dentro da boca do tigre. Ninguém saberia responder em que momento da apresentação aconteceu o blecaute ocasionado pelo raio que fez explodir o transformador. E tudo que era colorido ficou negro.

Aquele silêncio! Estaria o domador na boca do tigre?

O animal solto no picadeiro também já dava sinais de cansaço. Roncava e mastigava alguma coisa, fazendo gelar o coração de muitos. Ainda estaria o tigre naquela posição de guarda real da coroa britânica? Ou deitara-se saciado sobre os restos do domador?  A escuridão cria imagens fantásticas e afasta o homem da realidade

A escuridão já durava um tempo sem que alguma providência fosse tomada. Será que os diretores daquele circo teriam condições de controlar uma multidão em pânico caso o tigre resolvesse pular do picadeiro para o meio do povo? 

Nunca vamos saber o que se passa na cabeça de um animal como o tigre que podendo se rebelar aceita as condições impostas por um homem.

Naquela escuridão envolta por uma atmosfera carregada não dava para imaginar coisa alguma, a não ser que ninguém queria estar ali, mas ninguém se atrevia a mexer-se para sair.

A luz acendeu, para alívio de todos. O domador volta lá dos fundos e pergunta a plateia:

—Vocês pagaram seus ingressos, ainda querem que e eu meu amigo, o Ralf, façamos a apresentação do nosso número ou não?

 Todos caminhavam para a saída, o som alto do rufar de tambores se misturou ao alarido da plateia que tumultuava a saída. 

Ninguém olhou para trás e não viram o Ralf entrar e estraçalhar o domador.





Emília Goulart dos Santos, bisavó, dona de casa. Pertence ao Grupo Experimental desde a sua fundação. Ganhou vários concursos de contos. Escreveu vários livros e publicou outros, inclusive romances. Atualmente é também acadêmica da Academia Araçatubense de Letras. E-mail: emiliagoulartsantos@gmail.com

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