Uma mala pesada
No
ônibus, vindo de Sampa, Murilo preparava seu “discman” para embalá-lo durante
o trajeto até sua longínqua cidade, no interior do Estado. Estava separando uma
sequência de CDs que deveriam se repetir pelo menos umas três vezes até o
destino final, quando uma voz doce e aveludada pediu licença para assumir a poltrona
ao lado, junto à janela.
Murilo,
prestou a maior atenção na garota. Mediu-a de cima a baixo, pelos lados, por
todas as possibilidades. Observou os cabelos, as mãos, o formato do quadril que
passou roçando sua cara, a vestimenta, os olhos, a boca, a face inteira e tudo
o que se pode visualizar num milésimo de tempo.
O “obrigado” que recebeu foi a mais bela e melodiosa palavra jamais dita
por qualquer ser humano. Soou como sinos badalando ao vento de asas de anjos em
revoada em torno do cupido.
Percebeu
que a viagem não seria mais tranquila, como havia planejado. Começou a traçar
planos e estratégias para abordar a “princesinha” que o destino havia colocado
ao seu lado para a travessia daquela jornada.
Murilo
era um rapaz tímido e um tanto introvertido. Sua maior dificuldade e terror era
falar em público ou com alguém estranho. Nessas horas, postava-se embaraçado,
desenvolvia bloqueios, suava frio e quente ao mesmo tempo, chegava a gaguejar
ou permanecia mudo. Portanto, isso significava um problemão para aquela
situação. Como tocar o coração e a mente daquela criatura que tanto perturbava
sua imaginação?
Como
o percurso era diurno, não haveria a desculpa do sono ou, neste caso, do sonho,
para abandonar o intuito de entabular uma conversa, um bate-papo inicialmente
despretensioso, mas repleto de segundas intenções. Boas intenções, aliás, que
Murilo era um rapaz do bem.
Depois
de conceber todas as estratégias e artimanhas possíveis para abordar a garota,
após uma parada do ônibus para lanches rápidos, toaletes, e esticar as pernas,
Murilo resolve falar com a diva dos seus devaneios. Assim que o ônibus se
coloca em movimento, Murilo pega o seu “discman”, ajusta a música “You are not alone”, cantada por Michael
Jackson, que ele imaginava ter tudo a ver com a situação e propôs à jovem que a
ouvisse. Acreditava que isso seria um bom início para um entrosamento entre
ambos.
A
moça, que até aquele momento nem havia dito seu nome, segurou o aparelho
delicadamente, acertou os fones no ouvido e ouviu a música até o fim. Então,
calmamente, desinteressadamente, e sem qualquer reação de prazer, agrado ou
deleite, devolveu o instrumento com um sorriso sem significado.
Sem
saber como reagir ante a situação, Murilo, decepcionado com a desimportância
demonstrada pela sua “futura metade da laranja”, caiu em si, fechou-se na sua
imensa incapacidade de comunicação, ensimesmou-se e passou a ler um livro o
resto da viagem.
Na
primeira oportunidade, após descerem alguns passageiros em uma cidade qualquer,
Murilo mudou de assento e seguiu sozinho o resto do trajeto, até desembarcar do
veículo e do sonho idiota de arrumar uma namorada. Convenceu-se de que algumas
pessoas não são feitas para viver um grande amor.
Lembrou-se das palavras
iniciais da música que escolhera para sua musa ouvir: “Mais um dia se passou/Eu ainda continuo sozinho/Como pode ser?” Ele
era a prova material dessa verdade.
Reinaldo Mauá Júnior – educador por opção, escritor por afeição. Venceslauense por nascimento, araçatubense por adoção. Nascido no ano do Jubileu “do grande retorno" e do grande perdão. O tempo só faz estimular e provocar minha emoção. Participante do Grupo Experimental por pura deleitação.
E-mail: reymaua@hotmail.com
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