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Reynaldo Mauá Júnior - GE - Uma mala pesada



Uma mala pesada

No ônibus, vindo de Sampa, Murilo preparava seu “discman” para embalá-lo durante o trajeto até sua longínqua cidade, no interior do Estado. Estava separando uma sequência de CDs que deveriam se repetir pelo menos umas três vezes até o destino final, quando uma voz doce e aveludada pediu licença para assumir a poltrona ao lado, junto à janela.     
Murilo, prestou a maior atenção na garota. Mediu-a de cima a baixo, pelos lados, por todas as possibilidades. Observou os cabelos, as mãos, o formato do quadril que passou roçando sua cara, a vestimenta, os olhos, a boca, a face inteira e tudo o que se pode visualizar num milésimo de tempo.  O “obrigado” que recebeu foi a mais bela e melodiosa palavra jamais dita por qualquer ser humano. Soou como sinos badalando ao vento de asas de anjos em revoada em torno do cupido.
Percebeu que a viagem não seria mais tranquila, como havia planejado. Começou a traçar planos e estratégias para abordar a “princesinha” que o destino havia colocado ao seu lado para a travessia daquela jornada.
Murilo era um rapaz tímido e um tanto introvertido. Sua maior dificuldade e terror era falar em público ou com alguém estranho. Nessas horas,  postava-se embaraçado, desenvolvia bloqueios, suava frio e quente ao mesmo tempo, chegava a gaguejar ou permanecia mudo. Portanto, isso significava um problemão para aquela situação. Como tocar o coração e a mente daquela criatura que tanto perturbava sua imaginação?
Como o percurso era diurno, não haveria a desculpa do sono ou, neste caso, do sonho, para abandonar o intuito de entabular uma conversa, um bate-papo inicialmente despretensioso, mas repleto de segundas intenções. Boas intenções, aliás, que Murilo era um rapaz do bem.            
Depois de conceber todas as estratégias e artimanhas possíveis para abordar a garota, após uma parada do ônibus para lanches rápidos, toaletes, e esticar as pernas, Murilo resolve falar com a diva dos seus devaneios. Assim que o ônibus se coloca em movimento, Murilo pega o seu “discman”, ajusta a música “You are not alone”, cantada por Michael Jackson, que ele imaginava ter tudo a ver com a situação e propôs à jovem que a ouvisse. Acreditava que isso seria um bom início para um entrosamento entre ambos. 
A moça, que até aquele momento nem havia dito seu nome, segurou o aparelho delicadamente, acertou os fones no ouvido e ouviu a música até o fim. Então, calmamente, desinteressadamente, e sem qualquer reação de prazer, agrado ou deleite, devolveu o instrumento com um sorriso sem significado.
Sem saber como reagir ante a situação, Murilo, decepcionado com a desimportância demonstrada pela sua “futura metade da laranja”, caiu em si, fechou-se na sua imensa incapacidade de comunicação, ensimesmou-se e passou a ler um livro o resto da viagem.
Na primeira oportunidade, após descerem alguns passageiros em uma cidade qualquer, Murilo mudou de assento e seguiu sozinho o resto do trajeto, até desembarcar do veículo e do sonho idiota de arrumar uma namorada. Convenceu-se de que algumas pessoas não são feitas para viver um grande amor. 
Lembrou-se das palavras iniciais da música que escolhera para sua musa ouvir: “Mais um dia se passou/Eu ainda continuo sozinho/Como pode ser?” Ele era a prova material dessa verdade.


Reinaldo Mauá Júnior – educador por opção, escritor por afeição. Venceslauense por nascimento, araçatubense por adoção. Nascido no ano do Jubileu “do grande retorno" e do grande perdão. O tempo só faz estimular e provocar minha emoção. Participante do Grupo Experimental por pura deleitação. 

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