Cara
Senhora,
Eis
que senão quando, tomou-me de impacto a vossa lembrança. E eu que não tenho
mais me valido dos préstimos vossos? O acaso tornou-me às mãos carta de um
poeta notável. Quando então me vi invadido de emoção e de perplexidade.
Confesso
ter cogitado em alguns momentos que até podia ser que tal poeta me fizesse
alguma comunicação. Contudo – a perplexidade – não supusera a fizesse por meio
de carta. A lógica me fez ficar com o fax, se comunicação se desse.
O
fax é mais distante. E mais formal. Ainda mais quando o texto, certamente,
seria coisa assim: Acuso recebimento de sua tese sobre minha obra. Grato. Ass.
Gullar.
Ou
ainda o telegrama, em cuja linhagem se modela o fax. Rechaçara de pronto o
pensamento de que talvez usasse o telefone. O e-mail, impossível: endereços
eletrônicos desconhecidos um do outro.
A
carta, esta foi mesmo uma grande surpresa. O poeta a compôs com todos os seus
elementos essenciais, conforme manda o figurino. Aquele envelope branco, quase
quadrado, emoldurado de verde-amarelo. Aquele selo artístico tradicional (sua
estampa fazia alusão à fauna brasileira: uma andorinha-tesoura, a tesourinha (Phibalura flavirostris Vieil), num galho
de árvore pousada). Selo cuja cola se ativa com a saliva. Sobre-escrito feito à
mão e à tinta. A carta propriamente dita também escrita à tinta e à mão.
Tive
a sensação de que vós, nessa vossa longa enfermidade, que padeceis, por
delirardes, recorríeis a mim. Buscáveis um pouco da misericórdia deste humilde
cultor da pobre pena também teimosa.
Não pude escapar à
felicidade. Não creio tenha sido saudosismo. A despeito da morosidade de vossa
chegada, ou mesmo por causa dela, o clima criado pela espera dava a esses instantes
da vida encantamento. Havíeis sido recebida. como vos recebi agora. Era como se
tivesse obtido a sorte grande. O antegozo e a tensão pelo que podíeis estar
trazendo.
Lembrou-me
da missão que circunstancialmente assumia na época de férias escolares: pôr em
dia a correspondência de minha avó materna que era analfabeta. Lia-lhe todas as
cartas que recebera. Ela residia em fazenda longínqua. Ficáveis até seis meses
esperando por mim! Com que unção minha avó vos ouvia! Depois, reflexiva, ditava
para eu escrever em atenção aos recebimentos. Às vezes eram dezenas de vós, tal
o acúmulo.
Lembrou-me
ainda a célebre Carta de Caminha, que nos anunciava ao mundo da civilização.
Lembrou-me ainda Pombinha, a virgem de O
cortiço, a missivista-mor daquele pobre povo analfabeto e explorado, cujo
alento ou desalento também se traduziam em cartas enviadas e recebidas, as quais
ela pedagogicamente lia e escrevia.
Notícias,
afetos, amores, desamores, fragilidades, destemperos... O punho, a pena, o papel,
vossa cumplicidade protetora...
O
poeta que vos enviou já não há. Vós jazeis guardada, sofrendo a inestancável
corrosão do tempo. Como tudo, com todos. Eis a vida, passamos, pois que outros
se impõem a passarinhar.
Abraços afetuosos.
Ass. Um vosso eterno
fã.
Francisco Antônio Ferreira Tito Damazo, nasceu em Avanhandava-SP, licenciado em Letras por Penápolis, mestre e doutor pela Unesp, com quatro livros publicados, colaborador da Folha da Região, acadêmico da Academia Araçatubense de Letras. Professor da UniToledo.
Eu escrevia muitas cartas .lindas cartas. Agora já nem sei se conseguiria escrever algumas mal traçadas linhas. BOA noite Tito .
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