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Reynaldo Mauá Júnior - GE - Na hora da morte ... Amém


Na hora da morte... Amém .

            A vida inteira preparara-se para a hora da morte. Era a sua obsessão. Não se sabe ao certo como e quando tudo isso começou. Pode ter sido com os livros que leu, os filmes que assistiu, as histórias que ouviu. Quem sabe? Investira muito do seu tempo em compilar frases e discursos que pudessem representá-lo perante a Dona Morte. Até mesmo com certa pompa e honra.
            Tanto investigou, tanto se especializou no tema, que investiu um grande tempo de sua vida buscando informações, detalhes e inspiração para o momento esperado.
            Visitava UTIs de hospitais recolhendo as expressões e as sensações da última hora. Passeava pelos cemitérios compilando as mensagens transcritas nos túmulos. Comparava, analisava, estudava os dizeres das lápides buscando a essência no momento da passagem. Ficava de plantão na porta de prontos-socorros, funerárias e necrotérios – áreas de fronteira com o outro lado – entrevistando aos que aqui permaneciam sobre as últimas palavras do moribundo.
            Amealhou um saber tão substancioso com a questão da morte que fez disso sua principal atividade de vida: passou a dar palestras explicando o significado, tranquilizando famílias, orientando e acalentando moribundos.
            Tornara-se uma referência no assunto. Dava entrevistas em todo tipo de mídia: rádio, TVs, jornais, revistas, blogs. Frequentava congressos, simpósios e seminários. 
           O Vaticano solicitava seus préstimos para desvendar segredos, os evangélicos o chamavam para assessorar a retirada de encostos, fazia parte de mesas-brancas e rituais de macumba e candomblé. Foi convidado a se filiar e a se candidatar a um cargo político, provavelmente deputado ou senador.
            Compartilhava com tudo e com todos seu projeto de vida: a Morte.
            Agora Ela estava ali, bem na sua frente - A Carniceira, O Anjo Ceifador - concedendo o último pedido de um sujeito agonizante: pronunciar o seu discurso de passagem.
            Há muito que tinha escrito aquele texto. Já sabia “de cor e salteado”. Reunira tudo o que precisava: as palavras buriladas, as frases de efeito, as paradas e os tons, a ênfase. Sua experiência e convivência com esta situação o deixavam manso e sereno.
            A Morte já se mostrava impaciente. Tamborilava incessantemente com os dedos desencarnados no mostrador do seu relógio macabro, indicando que a hora era aquela. Em respeito ao trabalho de tanto tempo e tamanha dedicação para com o momento e para com sua “pessoa”, esperava o tal discurso propalado.
            Então, ele, fechando brevemente os olhos, deparou-se com a verdadeira face da Danada, aquela que de tudo o que vira, ainda não havia visto. A surpresa, o susto, a realidade tão assombrosa daquela imagem aterrorizante paralisaram-no de pânico e horror incontroláveis. Perdeu o controle de tudo para o qual havia se preparado toda a vida. Em nenhum momento imaginara o que via pela frente. O impacto dessa visão abalou as estruturas planejadas para seu “gran finale”.
            No fim, quase sem conseguir esboçar qualquer frase, com a voz fraquejando e trêmula, reuniu todas as forças que ainda lhe restavam e mandou:
            - P u t a  q u e  p a r i u !




Reinaldo Mauá Júnior – educador por opção, escritor por afeição. Venceslauense por nascimento, araçatubense por adoção. Nascido no ano do Jubileu “do grande retorno" e do grande perdão. O tempo só faz estimular e provocar minha emoção. Participante do Grupo Experimental por pura deleitação. 


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