Na hora da morte... Amém .
A vida inteira preparara-se para a
hora da morte. Era a sua obsessão. Não se sabe ao certo como e quando tudo isso
começou. Pode ter sido com os livros que leu, os filmes que assistiu, as
histórias que ouviu. Quem sabe? Investira muito do seu tempo em compilar frases
e discursos que pudessem representá-lo perante a Dona Morte. Até mesmo com
certa pompa e honra.
Tanto investigou, tanto se
especializou no tema, que investiu um grande tempo de sua vida buscando
informações, detalhes e inspiração para o momento esperado.
Visitava UTIs de hospitais
recolhendo as expressões e as sensações da última hora. Passeava pelos
cemitérios compilando as mensagens transcritas nos túmulos. Comparava,
analisava, estudava os dizeres das lápides buscando a essência no momento da
passagem. Ficava de plantão na porta de prontos-socorros, funerárias e
necrotérios – áreas de fronteira com o outro lado – entrevistando aos que aqui
permaneciam sobre as últimas palavras do moribundo.
Amealhou um saber tão substancioso
com a questão da morte que fez disso sua principal atividade de vida: passou a
dar palestras explicando o significado, tranquilizando famílias, orientando e
acalentando moribundos.
Tornara-se uma referência no
assunto. Dava entrevistas em todo tipo de mídia: rádio, TVs, jornais, revistas,
blogs. Frequentava congressos, simpósios e seminários.
O Vaticano solicitava
seus préstimos para desvendar segredos, os evangélicos o chamavam para
assessorar a retirada de encostos, fazia parte de mesas-brancas e rituais de
macumba e candomblé. Foi convidado a se filiar e a se candidatar a um cargo
político, provavelmente deputado ou senador.
Compartilhava com tudo e com todos
seu projeto de vida: a Morte.
Agora Ela estava ali, bem na sua
frente - A Carniceira, O Anjo Ceifador - concedendo o último pedido de um
sujeito agonizante: pronunciar o seu discurso de passagem.
Há muito que tinha escrito aquele
texto. Já sabia “de cor e salteado”. Reunira tudo o que precisava: as palavras
buriladas, as frases de efeito, as paradas e os tons, a ênfase. Sua experiência
e convivência com esta situação o deixavam manso e sereno.
A Morte já se mostrava impaciente.
Tamborilava incessantemente com os dedos desencarnados no mostrador do seu
relógio macabro, indicando que a hora era aquela. Em respeito ao trabalho de
tanto tempo e tamanha dedicação para com o momento e para com sua “pessoa”,
esperava o tal discurso propalado.
Então, ele, fechando brevemente os
olhos, deparou-se com a verdadeira face da Danada, aquela que de tudo o que
vira, ainda não havia visto. A surpresa, o susto, a realidade tão assombrosa
daquela imagem aterrorizante paralisaram-no de pânico e horror incontroláveis.
Perdeu o controle de tudo para o qual havia se preparado toda a vida. Em nenhum
momento imaginara o que via pela frente. O impacto dessa visão abalou as
estruturas planejadas para seu “gran finale”.
No fim, quase sem conseguir esboçar
qualquer frase, com a voz fraquejando e trêmula, reuniu todas as forças que
ainda lhe restavam e mandou:
- P u t a q u e p a r i u !
Reinaldo Mauá Júnior – educador por opção, escritor por afeição. Venceslauense por nascimento, araçatubense por adoção. Nascido no ano do Jubileu “do grande retorno" e do grande perdão. O tempo só faz estimular e provocar minha emoção. Participante do Grupo Experimental por pura deleitação.
E-mail: reymaua@hotmail.com
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