A noite insistia em caminhar no seu tempo e já invadia a
madrugada quando fui acordada do pesadelo. Talvez por um anjo, o meu anjo da guarda, que me poupava de
um mal-estar maior.
Aliviada daquela
coisa busquei aquecer o corpo com um copo de leite quente e achocolatado e,
bebendo-o lentamente, andei pela sala buscando minha identidade no cheiro das
coisas tão bem colocadas por ali.
Aquela ordem, aquelas
cores, o grande espelho... Tudo escolhido e colocado por mim. Sem decoradores.
Meu retrato, meus sentimentos em cada canto.
O pesadelo tinha sido só um fantasma! Tudo confuso e ruim. Mas,
o dia a dia não estava sendo um mar de rosas também. Mente a postos e alerta
sempre e as questões sem solução tomavam lugar do sonho inquieto.
“Quem me dera ter o direito de não pensar! Talvez consiga
desviar este tormento para aquele livro que nem sei em que página parei! Um
pouco de música! Não, hoje não vai dar certo. O frio é demais e vou voltar para
a cama que está quentinha. Mas, e se o pesadelo voltar?“
Bem agasalhada, dentro de casa, com tudo do bom e do melhor,
janelas bem fechadas vedando a entrada do ar frio do inverno paulistano e um
grande medo de mergulhar nas cobertas, adormecer e enfrentar o inferno de outro
pesadelo.
Tomando coragem, voltei ao quarto que era confortável,
aconchegante, mas agora parecia apertado.
Abri um pouquinho a
janela para respirar o ar frio de pouco mais que uns cinco graus. Um assobio!
Longe! Menos longe! Melodioso!
Perto e mais melodioso ainda!
Busquei na escuridão o dono deste som tão afinado e o vi
descendo a rua. Dava para ver um homem, atrás dele uma carrocinha que era
puxada por ele. A névoa o cobria um pouco, mas não calava a melodia que
enfeitava a gelada madrugada.
Mais perto. Bem perto e reconheci um catador de papel, seu
cão bem agasalhado (mais que ele) sobre restos de caixas de papelão e, a última
imitava o teto de uma casinha.
Ali estava o respeito pelo seu companheiro; na
vida dura e simples uma lição da existência humana; no assobio a demonstração
da sua sensibilidade; no caminhar noturno o incentivo à coragem ; na escolha da
melodia de LUZES DA RIBALTA, o bálsamo para meus problemas...
Assobiei para ele, que acenou como pôde e seguiu seu caminho
devolvendo-me um pouco da paz que vinha perdendo. E ele nunca soube do bem que
me fez e foi enorme!
“Para que
chorar o que passou
Lamentar
perdidas ilusões...’’
Yara Clarice Pedro Rodrigues de Carvalho, professora aposentada, escritora, nascida em Araçatuba, pós-graduada em Música, autora de mais de 10 livros infantis, já publicados. Gosta de pintura em tela. Ela é acadêmica da Academia Araçatubense de Letras.
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