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Yara Pedro Carvalho -AAL - Luzes da ribalta


 
Luzes da ribalta
  
A noite insistia em caminhar no seu tempo e já invadia a madrugada quando fui acordada do pesadelo. Talvez por um  anjo, o meu anjo da guarda, que me poupava de um mal-estar maior.

Aliviada daquela coisa busquei aquecer o corpo com um copo de leite quente e achocolatado e, bebendo-o lentamente, andei pela sala buscando minha identidade no cheiro das coisas tão bem colocadas por ali.

Aquela ordem, aquelas cores, o grande espelho... Tudo escolhido e colocado por mim. Sem decoradores. Meu retrato, meus sentimentos em cada canto.

O pesadelo tinha sido só um fantasma! Tudo confuso e ruim. Mas, o dia a dia não estava sendo um mar de rosas também. Mente a postos e alerta sempre e as questões sem solução tomavam lugar do sonho inquieto.

“Quem me dera ter o direito de não pensar! Talvez consiga desviar este tormento para aquele livro que nem sei em que página parei! Um pouco de música! Não, hoje não vai dar certo. O frio é demais e vou voltar para a cama que está quentinha. Mas, e se o pesadelo voltar?“

Bem agasalhada, dentro de casa, com tudo do bom e do melhor, janelas bem fechadas vedando a entrada do ar frio do inverno paulistano e um grande medo de mergulhar nas cobertas, adormecer e enfrentar o inferno de outro pesadelo.

Tomando coragem, voltei ao quarto que era confortável, aconchegante, mas agora parecia apertado.

Abri um pouquinho a janela para respirar o ar frio de pouco mais que uns cinco graus. Um assobio! Longe! Menos longe! Melodioso!

Perto e mais melodioso ainda!

Busquei na escuridão o dono deste som tão afinado e o vi descendo a rua. Dava para ver um homem, atrás dele uma carrocinha que era puxada por ele. A névoa o cobria um pouco, mas não calava a melodia que enfeitava a gelada madrugada.

Mais perto. Bem perto e reconheci um catador de papel, seu cão bem agasalhado (mais que ele) sobre restos de caixas de papelão e, a última imitava o teto de uma casinha. 

Ali estava o respeito pelo seu companheiro; na vida dura e simples uma lição da existência humana; no assobio a demonstração da sua sensibilidade; no caminhar noturno o incentivo à coragem ; na escolha da melodia de LUZES DA RIBALTA, o bálsamo para meus problemas...

Assobiei para ele, que acenou como pôde e seguiu seu caminho devolvendo-me um pouco da paz que vinha perdendo. E ele nunca soube do bem que me fez e foi enorme!
  
            “Para que chorar o que passou
              Lamentar perdidas ilusões...’’


Yara Clarice Pedro Rodrigues de Carvalho, professora aposentada, escritora, nascida em Araçatuba, pós-graduada em Música, autora de mais de 10 livros infantis, já publicados. Gosta de pintura em tela. Ela é acadêmica da Academia Araçatubense de Letras.

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