O primeiro beijo a gente não esquece
Benício
e Manoela praticamente cresceram juntos. Quase juntos, se assim podemos dizer.
Eram vizinhos. Moravam em suas casas, separados por um muro adequadamente alto.
Digamos ... Uns dois metros do chão ao ápice.
Crianças
felizes, brincavam os brinquedos da época, jogavam os jogos do momento e
estavam sempre ao lado um do outro. Naquele tempo as crianças tinham segurança
para se divertirem na rua o dia todo e até uma parte da noite, que era quando
as mães iniciavam o ritual de chamar cada um pelo nome, ou apelido, até que
adentrassem de volta aos lares. Claro que tudo isso dependia das condições
escolares e com os deveres e tarefas cumpridos.
Quando
as reinações eram nos quintais, as mães ficam sempre alerta e de olho para que
os “médicos” e as “pacientes” não extrapolassem a inocência e descambassem para
uma consulta mais particular, íntima. Sabe como é, o seguro morreu de velho.
Corre
que corre, o tempo continuou sua faina incansável e ininterrupta. Bê e Manu
(seus apelidos mais comuns) foram crescendo como qualquer criatura normal. Manu
começava a parecer uma mocinha, seus pequeninos seios despontando e sua
preocupação com a aparência tomando certo tempo de sua higiene e preparação
para surgir diante dos outros. Bê, ao contrário, ainda não se dava conta de
suas alterações hormonais. A não ser pelas variações da voz, que falhava e
alterava o tom de vez em quando, continuava querendo jogar bola, pião e bola de
gude, empinar suas pipas, andar de carrinho de rolimã. Coisas de menino
saudável e normal.
Quis
o destino que num fim de tarde dessas, logo após o tempo dos banhos, Bê,
trepado na goiabeira de sua casa teve uma visão que o carregou para outras
dimensões da vida: Manu, terminando de se enxugar, com a janela aberta, revelou
seu corpo de moça aos olhos estupefatos de Bê. Extasiado com a visão de uma
beleza que jamais havia imaginado, a partir daquele instante, Benício
transformou a maneira pela qual percebia sua sempre amiga Manu. Seu olhar para
ela tornara-se vagaroso, profundo, distraído, meloso. Manu, nua, era o pano de
fundo para tudo em seu dia a dia. Sem entender ao certo o que acontecia,
descobriu-se apaixonado.
Manoela
captava as atenções de Benício e entendia toda aquela malemolência do “amigo”.
Como as mulheres amadurecem mais rápido que os meninos, Manoela decidiu tomar a
frente das ações. Numa noite de verão, com o calor induzindo os seres humanos a
muitos deslizes, chamou Benício para uma conversa junto ao muro. Benício
precisou ajeitar alguns caixotes para poder ficar em uma altura conveniente para
ouvir, ver e se deleitar com a imagem do ser enfeitiçado.
Conversa
que conversa, fala que fala, Manu, no comando da situação, sugeriu que dessem
um beijo. Mas beijo na boca. De pronto, Bê, concordou. A experiência estava
sendo um sucesso, até que Manu, com seu jeitinho faceiro penetrou com sua
língua a boca de Bê. Os caixotes sentiram o tremor das pernas finas de Benício,
que não se conteve e desabou, estatelado, de costas no chão do seu quintal.
Aquele
elemento estranho, esgueirando-se por seus lábios, deslizando sobre sua língua,
brincando em seu céu da boca, deixou-o sem ar e sem ação. A surpresa do
inesperado! O susto foi tão grande que Benício demorou dias para se recompor.
Ficou sem falar e encontrar com Manu por um tempo. Não compreendeu de imediato
o alcance e as consequências daquele beijo. Não sabia o que dizer. Sua mente
parecia embaralhada com toda a situação – inusitada, confusa, deliciosa,
ardente. Demorou a se recompor totalmente.
Entretanto,
só foi entender o que poderia ter sido seu paraíso terrestre quando viu Manu
passar de mãos dadas com Viriato, um garoto mais velho, morador da outra casa
vizinha. As costas não doíam mais pelo tombo, mas a cabeça não parou de
atormentar. Reclamou o resto da vida por ter sido tão lerdo pra perceber que a
língua é quem define a profundidade, a excitação, o ímpeto e a intensidade de
uma paixão.
Reinaldo Mauá Júnior – educador por opção, escritor por afeição. Venceslauense por nascimento, araçatubense por adoção. Nascido no ano do Jubileu “do grande retorno" e do grande perdão. O tempo só faz estimular e provocar minha emoção. Participante do Grupo Experimental por pura deleitação.
E-mail: reymaua@hotmail.com
Na minha pré adolescência tive um pquernha colega dos meus irmãos. Tinha o rosto pintadinha, eu o apelidei de ovinho de codorna
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