O abraço do tamanduá
Aquele
domingo tinha tudo para ser igual a outros tantos. Amanhecia preguiçoso,
sonolento como o som das roda de madeira de um carro de boi autêntico. Por ser
inverno, um pouco de neblina resistia aos primeiros raios de sol, que
bravamente insistiam em perfurar a tênue camada da cerração suspensa.
Naquele
tempo, principalmente no interior, nas regiões de incipiente colonização e
expansão desenvolvimentista do progresso, grande parcela das casas era
construída em madeira, sem muito conforto e comodidade para seus moradores.
Era
o caso da casa de Miguel, ou Miguelito, como o chamavam. Nela, como de resto em
quase todas, o banheiro e a “casinha” eram construídos fora da parte principal
da edificação. A aparência simples e tosca dessas obras deu o nome da estrutura
que recebia as pessoas para sua conferência particular “consigo mesma”.
O
banheiro ficava sobre um estrado de madeira para o escoamento da água e o
chuveiro, apelidado de “Tiradentes”, pela forma de uso, consistia em um
recipiente com capacidade para uns 25 litros de água – que podia ser
esquentada no fogão a lenha – e suspensa manualmente, simulando um
enforcamento.
Aberta a torneirinha, o candidato ao banho tinha de ser rápido e
parcimonioso com o líquido se não quisesse terminar ensaboado e sem mais
condições de encerrar a tarefa.
A
“casinha” era construída abrindo-se um buraco no chão, chamado de fossa
séptica. Construía-se um caixote como assento, e todo mundo podia curtir as
maravilhas de cheiros e odores que emanavam dessa obra de engenharia cabocla.
Naquela
manhã de domingo, tia Regina, em visita à família, levantou-se bem cedo e
precisando urgentemente utilizar a “casinha”, saiu do quarto onde dormia aos
pés de Miguelito e, sem fazer alarde, para não acordar aos demais, foi, pé ante
pé, cumprir a incumbência de aliviar-se.
Daí
a pouco, toda a família foi despertada por gritos desesperados da tia Regina.
Parecia a sirene dos bombeiros, da polícia, da ambulância juntos. Todos
correram a verificar a causa da catástrofe que envolvia a tia. Ao arrombarem a
portinhola da “casinha”, deram de cara com um Tamanduá Bandeira, bicho comum
naquela região, abraçado à tia Regina, de camisola nas mãos.
O coitado do bicho
estava mais assustado do que qualquer um naquele instante. Tamanduá é um animal
que se alimenta quase exclusivamente de formigas e cupins. Não possui dentes e
sua língua é que faz o trabalho de procurar o alimento pelos campos. Portanto,
o maior risco que correu a tia Regina foi o de ser arranhada pelas garras do
bicho, enquanto a língua procurava algo mais substancioso sob seus cabelos. Tia
Regina não corria risco de vida, mas o susto foi gigante.
Ninguém
sabia como proceder. Os vizinhos foram chamados para ajudar no caso. Na época,
quase todas as pessoas adultas tinham armas em casa e, como era a cultura dos
homens, deram cabo do animal, que, aparentemente, apenas procurava um lugar
mais escuro e quente para se proteger do friozinho daquela manhã.
Passados
o pânico e os sobressaltos, o caso virou o assunto do resto do dia na
vizinhança. Todo mundo contava e repetia, a quem quisesse ouvir, a epopeia do
domingo.
Apenas tia Regina mantinha-se afastada das pessoas. Cabisbaixa,
calada, remoía sem pressa, e com pesar, o destino da criatura peluda. Às vezes
suspirava, com nuances de saudade, sobre o calor daquele abraço, situação que
há muito tempo não sentia na pele de moça balzaquiana e solteira.
A única coisa
que a incomodava, no momento, era o deslizar de um carrapato sob sua roupa, o
qual ficara de herança daquela história interrompida.
Reinaldo Mauá Júnior – educador por opção, escritor por afeição. Venceslauense por nascimento, araçatubense por adoção. Nascido no ano do Jubileu “do grande retorno" e do grande perdão. O tempo só faz estimular e provocar minha emoção. Participante do Grupo Experimental por pura deleitação.
E-mail: reymaua@hotmail.com
Muito boa mesmo .Um Dia forçada escrever uma história escrevi uma semelhante. Envolvia a noiva o penico a casinha uma BARATA. Ficou muito legal . Mais não sou escritora
ResponderExcluir