Não é desanimo ou preguiça. É tristeza, que passa
Tem certos dias em que não estou bem. Sinto um aperto no
peito, uma tristeza sem explicação. Chega a doer, como se tivesse levado um
soco na boca do estômago.
Nesses dias, procuro ficar quieta no meu canto. Não tenho
vontade de brincar, conversar ou interagir com as pessoas ao meu redor. Apenas
quero ficar só, com minha dor. Vou curtir o lado “B”, totalmente contrário ao
meu perfil.
As pessoas ao meu redor, acostumadas com minha agitação e
animação, imaginam e comentam entre elas, que amanheci desanimada, com preguiça
ou que devo estar curtindo alguma ressaca da noite anterior.
Meus pensamentos voam longe. E não voam para um paraíso. Ao
contrário, eles passeiam por aquelas recordações tristes, momentos de angústia
e de sofrimento pelos quais passei. Esses momentos foram superados, mas não
esquecidos. Sim, eles ficam lá num cantinho escuro da memória, esperando sua
vez. Como se fossem aquelas quinquilharias que guardamos em gavetas ou caixas,
no fundo do armário, sem utilidade alguma e que, vez ou outra, tentamos separar
para jogar fora, mas olhamos e as colocamos de volta no mesmo lugar. Outro dia,
quem sabe, uma faxina deverá ser feita.
No trabalho, disfarço mexendo nos papéis desarrumados sobre
a mesa, ou fingindo que leio algum relatório. Evito conversas e procuro não
atender ao telefone. Volta e meia, vou até o banheiro, olho-me no espelho, não
gosto do que vejo, e logo me vem a vontade de chorar. Ali não posso, não fica
bem. Lavo o rosto e volto para o meu lugar. Preciso controlar essa dor que me
invade.
Em casa, os familiares questionam o meu silêncio, o olhar
cabisbaixo, e meu isolamento. Sem vontade de conversar, murmuro qualquer
resposta à toa. Vou para meu quarto, ligo a TV em qualquer canal, apenas para
que me deixem quieta com meus pensamentos. O único filme que vejo é o da minha
história de vida. Faço meu próprio enredo, escolhendo, um a um, os piores momentos,
num drama estilo mexicano, que me faz chorar copiosamente. É isso, eu quero e
preciso chorar.
Procuro fazer um balanço da minha vida, mas neste dia, o
saldo sempre é devedor. Decretada a falência. Os momentos ruins, as ingratidões
e as decepções pesam muito mais do que os bons e mais que todas as alegrias
vividas. Aos poucos vou me sentindo infeliz, injustiçada, usada. Por que deixo
que façam isso comigo? Por que permito que abusem da minha boa vontade? Por que
faço tanto por todos eles e nenhum deles me agradece? Por que não grito minhas verdades? Por que
não sumo daqui? Por que não encontro as respostas para as minhas perguntas? O
que há de errado comigo?
Sem respostas para tantos questionamentos, no limite de
minha melancolia, entendo que o melhor que posso fazer por mim é dormir. Numa
oração muito mal feita, sem nexo, peço a Deus que tenha piedade de mim. O choro
vai ficando manso, a respiração pausada e os olhos pesados. Enfim, adormeço.
Ao acordar, já com outro ânimo, de bem com a vida, como se
nada tivesse acontecido, abro a janela do quarto e deixo que aquele sol
teimoso, que todos os dias está ali, independente do que aconteça comigo, me
contagie com sua luz. No banho, permito que a água lave meu corpo e minha
alma. Como num passe de mágica, o lado
“A” volta a reinar. Faço um carinho no cachorro que me abana o rabo,
demonstrando sua felicidade em me ver bem. Acaricio a gatinha Maria Amélia que
ficou do meu lado a noite toda, em silêncio, respeitando aquele meu momento
ruim. Faço um café e saboreio cada gole.
Alegria e gratidão por mais um dia. Ligo o rádio. Sim, hoje quero cantar, dançar, vestir uma
roupa florida, passar meu perfume predileto e um batom vermelho nos lábios. Trago
a cabeça cheia de ideias e planos. Um sorriso no rosto e muita vontade de viver
e de ser feliz.
Bora alegrar a vida, porque eu preciso muito de mim para
entender o meu lado “B”, virar meu disco para o lado “A” e redefinir dia a dia
o meu perfil.
Maria de Fátima Florentino, 58 anos, nascida em Araçatuba-SP, RelaçõesPúblicas, formada pela FEB/UNESP de Bauru. Possui um Grupo dentro Facebook com quase 500 integrantes #microcontofatimaflorentino – desafio diário na criação de microcontos. Membro e coordenadora do Grupo Experimental.
Texto autêntico. Muito bem feito!
ResponderExcluirObrigada, Prof. Hélio!
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