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Alice Silva - GE - Toalha de renda

Menino com peão - Cândido Portinari


Toalha de renda
A toalha é de renda branca, com desenhos de paisagem. Paisagem do campo, de onde sobressaem camponeses, com roupas medievais. Se apresentam com suas ferramentas de trabalho: enxadas, pás, foices. Fazem pose ao lado delas.No rosto de todos eles, uma expressão de susto, como se algo, ou alguém os espantasse. A boca de todos, em forma de “o”. 
Os olhinhos vazados, mostram o negro da mesa de madeira que a toalha cobre. Há crianças também nos desenhos da toalha. Elas estão também muito assustadas. Seus olhos não tem vida, nem há sorriso nos seus lábios. É como se tivessem perdido a inocência: é como se esperassem pelo pior.
 A toalha ganha vida de repente. Não é mais um pedaço de tecido a adornar uma mesa. Ela anuncia uma nova era. Era de “cada um por si”. E Deus não está mais para todos.É o sinal de um novo tempo. Quem olha para a toalha agora, assume de imediato uma responsabilidade. Ela se torna de um branco translúcido, 
imaculado, e fere os olhos no primeiro olhar, dando a mesma sensação que se tem ao tentar encarar o sol num dia muito claro. Os que estão ao redor daquela mesa são convocados a uma ação. O que deve ser feito não é uma tarefa simples. Os ouvidos têm que ganhar agora uma nova função, trabalhando junto ao cérebro para poder entender e agir, como os aparelhos tecnológicos que a cada dia tem maior alcance, sofisticação, complexidade. 
Os desenhos da toalha se mexem, os vazados dos desenhos se esticam. A visão é assustadora. A toalha já não cobre a mesa, e sim toda a sala. Quem ficou por debaixo da toalha dalí não sai; mas mesmo que pudesse, não desejaria sair.   Ali há proteção e conforto. Mas estão cientes: o conforto é temporário, como sente um soldado numa trincheira em meio a um  campo de guerra, que permite se tomar um fôlego para em seguida agir.
 A ação não vai admitir correção. É o universo que corrige o seu curso. Usando escolhidos, que são poucos.  Eis ali,debaixo daquela toalha, alguns. O tempo passa muito rapidamente, e agora a toalha se move em direção aos céus. Nos vazados dos desenhos, conforme ela sobe, caem cristais minúsculos que exalam perfume de sândalo. O sândalo é comida da alma, conserta o coração.
A toalha  vai ficando cada vez menor, e some rumo ao infinito. O ambiente adquire um tom azul violeta. A mesa é revestida de uma outra toalha, do mesmo desenho e cor. Uma toalha, simplesmente, com a função única de cobrir a mesa . Os que passaram pela experiência, piscam os olhos repetidas vezes, refinando, digerindo a capacidade de entender os fatos:  - alucinações, diriam alguns.



Alice Mara Barbosa da Silva, 61 anos, araçatubense, formada em Administração de Empresas;  Integra a coordenação do Grupo Experimental da Academia Araçatubense de Letras e participa pela primeira vez de coletânea. E-mail alicemara356@gmail.com

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