Gastaram 80 balas num preto
O assassinato do músico Evaldo Rosa dos Santos por 80 tiros,
no domingo, dia 7 de abril de 2019, só aconteceu porque ele era preto, passando
defronte a um quartel no bairro Guadalupe, Rio de Janeiro.
Não estou usando "negro" de propósito, para os
racistas branco é branco, preto é preto, nada de eufemismo.
Nem sei se os soldados que atiraram eram brancos ou pretos,
mas atiraram porque tinham na cabeça o seguinte: "Se é preto, já é
suspeito. Se preto foge, então, fogo! Preto em carro branco, então..." Não
deu tempo de ver se Evaldo tinha a alma branca. Fogo!
O comandante pode ter dito aos soldados atiradores:
- Como? Foram gastar 80 balas num preto? Muita munição gasta
à toa!
Ou então, nem o comando tenha passado tais preconceitos para
os comandados, a sociedade carioca, onde vivem, tenha dito aos poucos,
subliminarmente, para eles o pensamento racista, em cada piada, nas
insinuações, nas brincadeiras.
Há até aquela piada racista que ilustra bem o fato: branco
correndo, está fazendo cooper; preto correndo,
está fugindo da polícia". Esse resquício da escravidão ainda está em
nossas cabeças.
Evaldo Rosa dos Santos e sua família acreditaram que estavam
inseridos na sociedade de consumo. Carro modelo novo, chá de bebê, passeio aos
domingos, mas foram barrados na festinha com 80 tiros.
O músico acreditou que pelos menos na música e no futebol, o
preto tem vez, pode mostrar seus talentos, pode fugir da miséria, mas
encontraram a barreira de 80 tiros.
Ser pobre entre nós não é fácil, pior mesmo é ser pobre
preto. Aí, meu caro leitor, é difícil. Já fui "pobre de marré", mas
minha pele branca me ajudou. A rejeição é uma atitude que cria monstros. Evaldo
Rosa dos Santos conseguiu superar, mas 80 tiros tiraram-lhe a vida
impiedosamente.
Evaldo Rosa dos Santos não morreu por uma bala perdida,
foram 80 balas direcionadas para matar um músico que não foi assaltado por
bandidos, mas porque um grupo de soldados do Exército Brasileiro, achou que ele
fosse bandido por causa da cor dele.
Fazer o que com uma viúva, órfãos e nove soldados presos,
todos vítimas de uma situação, do sistema? Apenas a lei não basta.
Só posso repetir a frase de um romance "Um casamento
americano", história de um casal negro cujo homem foi acusado de estupro
sem tê-lo cometido, ficando preso por cinco anos injustamente, apenas por ser o
negro que passava pelo lugar: "O amor negro é a riqueza negra".
Hélio Consolaro, 70 anos, nasceu em Araçatuba, é professor, jornalista, escritor, membro das academiasde letras de Araçatuba-SP, Andradina-SP, Itaperuna-RJ. Escreveu por 15 anos crônicas diárias em jornais de Araçatuba. Foi secretário municipal de Cultura. Já escreveu seis livros.conselio@gmail.com
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