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Reynaldo Mauá Júnior - GE - Paixão pueril



Paixão Pueril

Os dias se sucediam como se nada diferente ou incomum pudesse tirá-lo de sua trajetória inabalável. Minuto a minuto ... Hora a hora ... Tempo ... Tempo ... Tempo. Manhãs frescas, tardes quentes e noites tranquilas. Não muita coisa pra fazer.
Nesse cotidiano, Nicolau, um garoto igual a qualquer um de sua idade – 8 anos - usufruía a vida que se oferecia a ele. Família, amigos, escola, igreja e tudo o mais. Seu passatempo era ouvir música, ler (qualquer coisa que lhe caísse nas mãos) e ir ao cinema (às vezes, apenas pra trocar gibis na porta do cine).
Mas, de um momento para outro, Nicolau começou a apresentar sinais diferenciados para meninos de sua idade. Começou a olhar amiudadamente para o horizonte; a querer ficar a só buscando alguma coisa que só ele sabia o que era; ficar na penumbra do seu quarto olhando para o teto e ouvindo mil vezes a mesma música. Não parecia triste, mas carregava um sorriso enigmático que só os mais velhos, às vezes, conseguiam decifrar e transmitir.
     Nicolau estava apaixonado!
Este era um segredo só seu, ainda mais porque o alvo desse desassossego atendia pelo nome de Rosália. Até aí, nada de mais. Quantas Rosálias existem nesse mundo de meu Deus? Mas esta, em especial, era nada mais, nada menos que a professora de Nicolau.
     Moça nova, recém-saída da escola Normal, Rosália iniciava sua carreira naquele ano. Possuía todos os ideais que traduzem uma boa educadora, demonstrava atenção e afeto para com seu alunos e atendia a cada um deles em suas necessidades educacionais. 
      Isso, na cabeça, ainda oca de representações sociais, de Nicolau significa ofertas de carinho e amor. Sim, amor físico, corporal, erótico. E sua imaginação de criança, em seu primeiro contato com sensações desconhecidas, sensuais e inebriantes, voou para mundos nunca antes habitados. Imaginou coisas com Rosália. Viu-se aos abraços e carinhos, afagos e cafunés com a mestra.
Começou a acompanhar a professora até a sua casa, carregava sua bolsa com as lições, levava frutas e flores a cada dia de aula, pedia novas explicações no horário do intervalo ... Tudo o que pudesse significar proximidade, sonho e a possibilidade de conseguir ao menos um toque ou um leve roçar na pele amada.
Uma noite, após assistir a um filme no único cinema da cidade, Nicolau voltava para casa e resolveu passar em frente à residência de Rosália. O que viu e que jamais havia passado por sua perdida mente enfeitiçada, era que Rosália tinha um namorado. Um adulto que, naquele mesmo instante, beijava longamente os lábios de sua “prometida”.
Uma tragédia sem tamanho abateu-se sobre o corpo em convulsão de Nicolau. A descrença do que vira tirara todo o equilíbrio físico de Nico, que, tropeçando, arriou-se pelo chão. Sem que qualquer um percebesse, celeremente se recompôs, sacudiu a poeira, ajeitou suas calças curtas e seguiu em frente maldizendo o mundo e suas injustiças para com todos os seres humanos. Principalmente com os mais novos e inexperientes .
No dia seguinte, na próxima aula, Rosália não ganhou frutas ou flores de seu dedicado aluno. Nicolau deixou sobre a mesa um pequeno recado, escrito com letras tremidas e uma tênue mancha de lágrima que dizia: “SINTO MUITO, NÃO TE QUERO MAIS”, e foi visto jogando queimada no recreio.  



Reinaldo Mauá Júnior – educador por opção, escritor por afeição. Venceslauense por nascimento, araçatubense por adoção. Nascido no ano do Jubileu “do grande retorno" e do grande perdão. O tempo só faz estimular e provocar minha emoção. Participante do Grupo Experimental por pura deleitação.

2 comentários:

  1. Amor!!!amor.com meus oitenta anos na porta ainda acho lindas as histórias de amor.

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  2. Mano veio, sempre surpreendente e sútil.

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