Hoje, ao pousar meus olhos em um amontoado de cadernos na
minha estante, encontrei um caderno especial. Na primeira página, com letras
enormes: Grupo Escrevivência: Professora, Cidinha Baracat.
Em cada reunião, era apresentado um tema. Esta foi uma das
propostas para texto, numa noite de reunião do grupo.
A criança que fui.
Hoje ao pousar meus olhos no caderno que guarda esses textos
trabalhados pelo grupo, descobri ter finalizado o meu trabalho sem encontrar a
criança procurada, talvez nunca mais a encontre. A criança foi se perdendo pelo
longo caminho, deixou-se devorar por um lobo-mau chamado tempo.
Retomar a velha
estrada é impossível. Ainda não encontrei a resposta para a pergunta que fiz
naquela noite. O que ficou em mim, da
Nitinha que um dia eu fui? Onde ficou aquela pureza de anjo travesso, que
escondia os filhotes da cachorra Campina, para vê-los abocanhados e devolvidos
ao ninho?
Pois é, menina, onde anda você? Estou à sua busca. Vou juntar seus pedacinhos nas
lembranças guardadas e colar bem coladinhos. Não quero perder você num cantinho "alemão" qualquer, nem por becos esclerosados de uma vida muito longa. Acho que era esta a proposta da professora
Cidinha, que buscássemos a criança que um dia se soltou de nós.
Escrever
a vivência é um tempo presente de olharmos pelo retrovisor e anotarmos o que
não queremos que o futuro apague do passado. A distância percorrida na longa
estrada vai lentamente abaixando a poeira e tudo que esteve invisível pela
poeira, chuva e curvas perigosas. Agora se revelam menos trágicas.
Porém, a estrada percorrida continua lá, hoje assentada a
poeira, eu encontrei a Nitinha à sua beira; ao ver me aproximar, correu. Ela prefere o abrigo da saudade e as consolações das lembranças. Não
quer ser resgatada, está bem onde está. Ela se mantem segura naquela parte do
caminho onde só as crianças pisam e os anjos habitam.
Saindo da lembrança, ouvi ao longe a voz da minha tia:
– Pare de correr que eu quero pegar você. Eu vou te pegar.
Assim não vale, você passa por aberturas tão estreitas. Bem feito, rasgou o
vestido novo.
–Não me
importo, a mãe faz outro. — A Nitinha se congelou nesta frase e mergulhei numa
saudade imensa.
Não! Ela não vai fazer outro, agora ela descansa em outro
mundo e eu ainda corro, nem sei por que corro tanto. Talvez porque o final
desta estrada já fica visível e eu queira me encontrar com o tempo e pedir para
dar mais uma volta. Resgatar algumas possibilidades perdidas.
O tempo passou, é
tão transitória a vida que não percebi que a criança que fui também fugia de
mim com o tempo. Um pouco mais à frente, volto a vê-la, passando como um raio
montada no Corisco, cavalo manso, mas veloz. A prima grita:
–Tia...Tia... A Nitinha caiu do cavalo.
– Onde ela está?
Já montou de novo! Lá vai ela.
Ainda me vi sair duma enxurrada de lágrimas que obstruía minha
passagem.
Nunca me machucava. Depois desaprendi de cair, os tombos não
eram iguais. A vida não é mansa como o Corisco.
Nitinha, em que estrada você se perdeu?
Vou caindo, levantando, querendo alcançá-la, mas você sempre foi mais esperta, a Emília
já caminha lento, carrega no ombro a
responsabilidade da união de uma grande família e um desejo enorme de me
tornar escritora, vou escrevendo. Se daqui a duzentos anos ou mais sobrar
algum conto ou um romance meu para ser discutido numa roda de literatos, estará
bom demais, terei sido escritora.
Ah!
Nitinha, como eu gostaria de encontrá-la para devolvê-la a sua mãe. Claro, sem
as cicatrizes que a deformaram. Um dia eu a devolvo a ela menina travessa. Vou
devagar porque o caminho é lindo e as flores que plantei no meu jardim tem um
cheiro bom que se renova e permanece.
Emília Goulart dos Santos, bisavó, dona de casa. Pertence ao
Grupo Experimental desde a sua fundação. Ganhou vários concursos de contos.
Escreveu vários livros e publicou outros, inclusive romances. Atualmente é
também acadêmica da Academia Araçatubense de Letras.
Parabéns, minha querida amiga!
ResponderExcluirVocê é 10...1000...merece todo nosso respeito e Amor!
Pena que não posso mais participar do grupo, tentei voltar, mas fui excluída pelo "dono" do grupo.����
Vou verificar o que aconteceu? Compareça na próxima reunião dia 12-2-2019 as 19:30. Estarei lá. Mas desde de já te adianto que o Grupo faz parte da AAL e não tem dono, tem coordenador. No momento é a Fátima, gente boa prá caramba.
ExcluirMuito gostoso de ler e de perceber que colocar a primeira pessoa em terceira, facilita a criatividade.Desgruda do hoje.
ExcluirParabéns mãe!!!Orgulho da nossa família! Exemplo de mulher!
ResponderExcluirParabéns mãe! Orgulho da família! Exemplo de mulher!
ResponderExcluirBelo texto!
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